No final de 1996, Nicolas Negroponte e Neil Gershenfeld, ambos do Massachussets Institute of Techonology, escreveram uma coluna para a Wired e para a Agência Estado com o enigmático título Wearable Computers, algo como Computadores "Vestíveis", numa tradução literal que não encontra amparo no Aurélio. O texto se baseava em um conceito ainda hoje muito difundido no Media Lab, o de que as pessoas deveriam estar "dentro" do computador e não sentado diante de um.
O computador deveria ir aonde as pessoas fossem. E como todas, em maior ou menor grau, estariam vestidas, os dois pesquisadores vislumbravam nos tecidos e nos acessórios pessoais a arquitetura e aliados perfeitos para a concretização de algumas das idéias analisadas em laboratório. Pois o inevitável encontro entre a tecnologia e a moda aconteceu e, pelo visto, não há retorno.
Algumas das principais empresas têxteis do mundo trabalham atualmente no desenvolvimento de tecidos que, além de práticos e confortáveis, são também inteligentes. A ponto de permitir que uma camisa ou um vestido mudem de cor em função da temperatura ambiente ou até mesmo do estado de espírito de quem se deixa trair, por exemplo, pelos batimentos cardíacos.
Meias que retêm o suor do corpo e calças com ajuste automático à silhueta também estão chegando ao mercado. Logo será a vez de lingeries ou tailleurs e, apesar de o conceito por trás dos wearable computers ultrapassar o universo fashion, ninguém deve se espantar quando em breve for anunciado o primeiro desfile high tech e, consequentemente, a primeira top model cibernética virar capa de revistas especializadas em moda.
Imaginem brincos receptores de áudio, óculos monitores ou transmissores de vídeo, sapatos e sandálias dotados de modem ultra modernos ou uma jaqueta jeans com acesso à Internet e ainda por cima capaz de reproduzir arquivos em MP3. Parece exagero? Pois saiba que algumas dessas maravilhas, fruto de parcerias entre empresas de alta tecnologia e fabricantes de roupas ou até mesmo de jóias já estão no mercado, ainda que a preços proibitivos para a grande maioria dos mortais.
Antes do Natal, por exemplo, a jaqueta do parágrafo acima terá na etiqueta as marcas Levi's e Philips e um valor estimado na casa dos US$ 2 mil. A Hitachi também promete colocar no mercado ainda este ano a sua versão de wearable computers, com acesso total à Internet, numa parceria com a Xybernaut (www.xybernaut.com), que desde 90 fornece aplicações para mercados profissionais. O equipamento ainda parece pouco prático e consiste num módulo central em forma de cinto, um teclado adaptado ao pulso, com fones e visores apoiados no ouvido.
Em outra linha de atuação, a Land’s End (www.landsend.com), especializada na venda por catálogos, e a Image Twin, uma empresa de tecnologia, tentam expandir o comércio de roupas pela Internet, com a instalação de quiosques dotados de um aparelho capaz de reproduzir qualquer silhueta em três dimensões. O tal scanner é capaz de "ler" 200.000 pontos da superfície do corpo, tornando possível a confecção de uma roupa realmente sob medida. As informações são armazenadas em um banco-de-dados e podem ser enviadas para as confecções associadas ao sistema, que entregam em casa o modelo pronto para ser usado, sem a necessidade de nenhum ajuste.
Enquanto o body-scanning não chega por aqui, é possível simular a confecção de quase 300 modelos no site da empresa (www.mvm.com). Você preenche um quadro com várias informações e um software se encarrega de sugerir o estilo que melhor se adapta ao seu modo de vida e às suas medidas. A partir daí, você passa a contar com a ajuda de um consultor virtual de moda. Experimente contar "mentirinhas inocentes" e se divirta – ou não - com os resultados.
Desenhando para vestir
Grandes nomes do design e da tecnologia estarão reunidos em outubro na quinta edição do International Symposium on Wearable Computers, em Zurique. A programação do evento (http://iswc.gatech.edu/) resume tudo o que está sendo pensado e desenvolvido sobre os tais computadores "vestíveis", inclusive com demonstrações práticas de algumas aplicações aparentemente futurísticas. No centro das atenções, a preocupação em moldar ao corpo humano várias tecnologias já existentes no mercado.
Um dos destaques mais aguardados é um desfile de moda, produzido por uma equipe multidisciplinar, que reúne estilistas, físicos e especialistas em nanotecnologia, entre outros campos do conhecimento (www.wearablegroup.org). Alguns modelos que serão apresentados foram produzidos a partir de fios que funcionam como cabos transmissores de informações ou capazes de atuar como baterias solares para garantir o funcionamento dos equipamentos "vestíveis".
Bizarros e mutilados
Até o final do mês é possível conferir a evolução da moda e dos costumes em www.mode2001.be, uma grande exposição organizada pelo Museu de Arte Contemporânea da Antuérpia, Bélgica. Como sugestão, procure pela mostra Mutilate?, que possibilita uma reflexão sobre o universo fashion a partir de uma abordagem histórica e como homens e mulheres movidos por razões estéticas, sociais ou religiosas enveredaram pela decoração e manipulação corporais. Um dos destaques desta mostra são os corselets criados e exibidos pelo polêmico estilista sul-africano Mr. Pearl.
Coluna publicada originalmente em O Estado de S. Paulo, em 06/09/2001
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