18 de ago. de 2006

Tapando o sol com a peneira (1)

A decisão do Comando Geral da Polícia Militar do Rio de exonerar o coronel que queria instituir um controle sobre o dinheiro que seus comandados levavam nos bolsos ou nas carteiras é tão inóqüa quanto o ato que deu origem à exoneração. Por vários motivos: primeiro, porque seria necessário uma nova polícia para fiscalizar a polícia. Segundo, porque seria ingenuidade demais dos corrruptos fardados andar com propinas no bolso. Terceiro, porque dinheiro vivo é apenas uma das centenas de forma que a polícia do Rio (parte, dela, bem entendido) utiliza para complementar a renda mensal.


E não me venham com esta história de relacionar baixos salários com a corrupção, fardada ou não.


Grande ou pequena, a corrupção é uma cicratiz no peito do cidadão comum, muitos deles coniventes com esta situação. Quem nunca viu um policial entrar num bar ou restaurante, comer à vontade e sair sem pagar a conta? Os R$ 50 que ele tinha no bolso - o limite estabelecido pelo coronel exonerado - voltariam inteiro para o quartel e ninguém perguntaria onde ele almoçou ou jantou e quem pagou a conta.


E as armas apreendidas que sempre aparecem pela metade nas fotos publicadas nos jornais, o mesmo acontecendo com as dogras recolhidas em operações nas favelas ou fora delas? Estariam no bolso? No porta-malas da viatura oficial? Seriam levadas para os quartéis? É óbvio que não.


Se o comando da PM quer mesmo separar o joio do trigo, mas eficaz seria, por exemplo, estabelecer um sistema de sorteio, com autorização judicial, para vasculhar a casa dos seus comandados e conferir se o que ele ganha dar para sustentar o padrão de vida que ostenta. Uma dica desnecessária: comecem pelas garagens.

Tapando o sol com a peneira (2)

Uma vez perguntei a um oficial da PM lotado na área de inteligência se era difícil identificar um policial corrupto. "Claro que não", respondeu. Então por que não não colocar este bando de corruptos armados e fardados na rua?, provoquei, recebendo em troca uma explicação jamais esquecida: "Porque o índice de criminalidade dobraria em uma semana, pois a primeira coisa que eles fariam seria oferecer os seus serviços aos traficantes que conhecem tão bem".

Faculdades de fundo de quintal afetam universidades

Sou do tempo em que freqüentar cursos preparatórios para o vestibular era quase uma obrigação. Eram caros, mas davam resultados. Preparavam bem o aluno para as provas de ingresso às melhores universidades, principalmente as públicas. Hoje, a situação mudou. Os cursos que não fecharam, estão vazios, situação que explicada, em parte, pela proliferação de faculdades onde a prova de entrada não passa de uma mera formalização. Dificilmente alguém deixa de entrar na "faculdade" por causa dela. Mas não são apenas os cursinhos que estão vazios.


A proliferação de novos cursos e faculdades de "fundo de quintal" - que se espalham feito templos evangélicos - tem afetado até mesmo instituições mais sérias, públicas ou particulares. Um exemplo ocorre com a PUC em São Paulo, que decidiu entrar num modelo bem parecido com as franquias. Embora incipiente, não demora a chegar por aqui. A primeira experiência do novo modelo começou com a inauguração de uma unidade da PUC em Barueri, na Grande São Paulo. Se o aluno não vem à faculdade, a faculdade vai até ele. Funciona com McDonalds, mas é duvidoso que funcione com Universidades - com maiúsculas.

"Alunos de segunda classe" (1)

Meses atrás fui chamado pela direção da escola onde minha filha estuda. Éramos cerca de 40 pais diante de um ex-dono de cursinho, hoje empresário bem sucedido, dono de um tradicional colégio no Rio, bem colocado no ranking das escolas cariocas, e que batizou com o seu próprio nome o "sistema" de ensino utilizado pelos professores. Com um discurso bem preparado, o empresário e ex-professor disse que devíamos nos sentir orgulhosos, pois os nossos filhos eram os que apresentavam as melhores notas e tinham em comum "o prazer pelo estudo". Em seguida, anunciou a criação de uma turma especial, formada pelos "melhores alunos" que seria preparada para passar "com folga" em qualquer vestibular e nos cursos mais procurados. Seria uma turma homogênea, explicou, e que seria mais exigida e preparada para a "batalha" do vestibular.


"Todos os anos fazemos isso e os resultados estão aí mesmo para comprovar o sucesso dessas turmas especiais, que não terão custos nenhum para os senhores".


Ato contínuo, citou um a um, em ordem alfabética, os alunos que fariam parte da turma especial. O nome de minha filha estava lá. Os pais pareciam orgulhosos, como felizes proprietários de vaquinhas premiadas. Exceto, eu, que não resisti.

Levantei o braço e perguntei por que não formar "turmas especiais" para os alunos que não vinham apresentando notas tão boas e que, portanto, mereciam um acompanhamento mais de perto? O resultado, no meu modo simplista de ver a vida seria, ao longo do ano, um contingente de alunos mais uniforme no que diz respeito ao desempenho escolar e bem mais estimulados. Além disso, insisti, o colégio deveria convocar ou pelo menos explicar "as regras" do jogo" também para os pais dos alunos que não estariam na "turma especial", até para que pudessem ajudar a melhorar o desempenho escolar dos filhos.

"Alunos de segunda classe" (2)

O empresário ex-professor disse que a idéia era "até meritosa, embora utópica". Argumentou que a experiência de mais de 30 anos "de magistério" permitia a ele distingüir os alunos que teriam um belo futuro profissional daqueles que ficariam para trás". Besteira pura para esconder um objetivo não declarado: o marketing (R$$$$$) que rende apresentar todos os anos 10 ou 15 alunos aprovados em primeiro lugar em vários cursos e faculdades. São esses 10 ou 15 nomes, na verdade, que sustentam o negócio e geram lucros astronômicos com a enxurrada de novos alunos levados por pais atraídos pela eficiente publicidade. Ex-dono de cursinho nos anos 80, o agora bem sucedido empresário descobriu o caminho das pedras. Juntar trezentos para selecionar 10 ou 15 e manter a fama de ser um dos colégios com maior índice de aprovação no vestibular. Os outros continuarão a ser "os outros". Alunos de segunda classe, cuja única missão é sustentar a lucrativa engrenagem.

"Alunos de segunda classe" (Fim)

Encurtando a história: minha filha não se mostrou interessada, mas começou a freqüentar a tal "turma especial". Antes do primeiro mês chegar ao fim, disse-me que não via sentido naquilo, que se sentia perdendo tempo e que preferia ocupar as tardes "extras" com algo mais dirigido à carreira que realmente pretendia seguir.


"Todo mundo que está ali quer ser engenheiro ou médico e os professores limitam-se a ensinar a resolver questões que já caíram ou certamente caírão no vestibular", argumentou.


Sugeri que ela explicasse isso à direção da escola, mas fui novamente convocado, desta vez em companhia dela, para uma reunião com o dono do colégio, onde ele tentaria dissudí-la, esperando, talvez, contar com minha cumplicidade. A conversa, no entanto, não durou 10 minutos.


Minha filha deixou a tal "turma especial", continua a aparecer no "quadro de honra" (reservados aos alunos de "primeira classe") e, além do inglês e do espanhol que estuda há seis anos, passou a cursar aulas de chinês. Nada mal para quem planeja fazer Direito Internacional para depois tentar a carreira diplomática.


De onde ela tirou isso, não faço a menor idéia. Não fui eu, não foi a escola. Mas já estou me preparando para discultir os valores relativos aos direitos de imagem, caso o nome dela seja usado como chamariz pelo bem sucedido empresário ex-professor.

17 de ago. de 2006

A sigla errada para combater o crime

Deu no www.estadao.com.br, em texto assinado por Thiago Velloso : "O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos, Roberto Troster, afirmou nesta quinta-feira que a medida provisória anunciada pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, para baixar o spread (diferença entre o custo de captação de recursos e o custo da taxa de empréstimos) bancário é uma "manobra diversionista", que não levará a qualquer redução significativa das taxas cobradas do consumidor". É possível que Troster esteja correto. Em vez de MP (medida provisória), talvez o MP (Ministério Público) fosse mais eficiente na árdua missão. Afinal, como definiu recentemente um ex-secretário do Tesouro, em palestra restrita a executivos do setor bancário, "captar com juros de poupança (6% ao ano) e emprestar com taxas que ultrapassam aos 100% ao ano é um crime". Ninguém aplaudiu, é claro.

Assalto em domicílio

O celular toca e me apresso a atender. Do outro lado da linha, um corretor imobiliário, velho conhecido, diz ter encontrado o imóvel que eu estava procurando. Descreve a localização, fala sobre estimativas de valores e a garantia da construtora por trás da obra. Argumento que é longe e que eu imaginava algo mais perto da Barra e menor, já que o imóvel era para meu filho - coisas de pai que vai envelhecendo. A conversa prossegue e pergunto a ele se não tem nada mais perto do Posto 6 ou 7. Até fui visitar, por curiosidade, um apart hotel ali perto, anunciado nos classificados de um grande jornal por um preço razoável. Sem que eu fizesse menção, ele foi direto ao nome do empreendimento. Confirmei e perguntei como ele sabia? "Não faça isso", disse-me. "Você estaria usando um bom dinheiro num péssimo negócio", completou. Tão ruim, assim - fiz questão de saber. "São trinta apartamentos por andar. Não sei agora, mas até recentemente, bandidos alugavam apartamentos em andares contínuos e de uma só vez assaltavam 60 imóveis". Agradeci o alerta e pedi a ele que continuasse a procura. Não lembro de ter lido nada parecido nas páginas policiais.

Três amigos e um funeral

Imaginem a cena: dois carros interceptam um terceiro veículo, um Audi. Motorista e carona são obrigados a descer. O "carona" leva oito tiros na cabeça. O motorista, única testemunha, diz que que a intenção do bando era levar o carro e que o amigo morreu ao reagir. Testemunha, sem um único arranhão, e vítima, devidamente sepultada, foram figurinhas carimbadas na imprensa anos atrás. Polêmicos e com amigos e inimigos aos montes. Um tentou dar um aspecto legal às fraudes bilionárias do INSS. O outro, primo do primo, ambos primos do primo mais famoso, acumulava denúncias e mais denúncias. E era ágil em processar coleguinhas e jornais que se atrevessem a publicá-las. Mas, de repente, ninguém mais fala (escreve) sobre a tal "tentativa de assalto". Lembrei da história ao ser apresentado a um candidato a deputado federal, desembargador aposentado, que acabava de voltar da missa de sétimo dia de um "grande amigo, homem íntegro, que morreu vítima de um assalto". Com oito tiros na cabeça?, provoquei. "Uma violência sem tamanho, não é mesmo?", devolveu o ex-desembarcador desentendido. Deixei prá lá ou o filé com fritas esfriaria.