1 de abr. de 2009

Nos museus, espaço para a arte digital

O cinema aderiu há muito tempo. A literatura também. Agora chegou a vez do restrito universo das artes plásticas ceder aos encantos da Internet. O namoro ainda é tímido, mas o primeiro passo foi dado e alguns museus importantes resolveram abrir espaço para a arte digital e incluir em seus calendários exposições de obras produzidas exclusivamente para o mundo virtual. São trabalhos que só podem ser visualizados a partir de um computador, em casa ou no próprio museu, em ambientes especiais.

Claro, ainda não apareceu um Goya (1746-1828), um Velázquez (1599-1660), um Renoir (1841-1919) ou um Rembrandt (1606-1669) dessa nova era digital – e é provável mesmo que nunca apareça. Por enquanto, nomes como Jon Haddock, Marina Rosenfeld, Jeremy Blake, Erik Adigard e Mark Napier (todos nascidos a partir de 1960) aparecem como os expoentes de uma nova geração de artistas que trocaram átomos por bits. Com uma certa dose de polêmica, é verdade.

O San Francisco Museum of Modern Art e o Whitney Museum of American Art, de Nova York, foram os primeiros a encomendar trabalhos para exposições on-line, dentro ou fora do ambiente físico ocupado por cada um deles. São obras criadas exclusivamente para o mundo virtual disputando espaço e atenção com outras expressões artísticas, para desespero dos tradicionalistas e aplausos dos mais novos. Polêmicas à parte, as exposições on-line de ambos têm sido um sucesso, dentro e fora da Internet.

No Whitney (http://www.whitney.org/), as exposições Bitstreams e Data Dynamics foram desenvolvidas para a Internet, mas são apresentados como instalações no próprio espaço físico do museu. Pela Internet, no aconchego de sua casa, apenas uma versão on-line, mais comportada e menos controversa. No total, 50 artistas expõem 80 trabalhos criados com o auxílio de modernos softwares e com linguagens e estilos estranhos para quem está chegando agora. DHTML e Java Script se encarregam pela forma emoldurada em modernos monitores de plasma líquido de 50 polegadas. Um ultraje, diriam alguns.

No San Francisco Museum (http://www.sfmoma.org/) a defesa da arte digital é mais explícita e, talvez por isso, mais engajada. Seus curadores lembram que a última década marcou definitivamente a presença da tecnologia no dia a dia das pessoas e que na arte contemporânea não poderia ser diferente. O raciocínio é límpido: se cada vez mais artistas adotam novas tecnologias em estúdios, era natural que elas chegassem aos museus. E no caso do SF, pela porta da frente, com a decisão de seus administradores de reservarem um espaço nobre para a arte virtual. A exposição "010101: Arte in Technological Times" (http://010101.sfmoma.org/), em cartaz por mais 30 dias, só pode ser visualizada pela Internet.

Arte digitalizada

Se você está entre aqueles que acha que um robozinho simpático ficaria melhor passeando em uma feira de tecnologia do que no piso lustrado de um museu, não se preocupe. Muita gente pensa como você. A sugestão neste caso é dar uma olhada nos sites de museus tradicionais, que continuam ampliando suas presenças na Internet, mas sem abandonar aquilo que têm de melhor: um acervo fantástico, cada vez mais acessível a milhões de pessoas em todo o mundo.

O Museu do Prado (http://www.museoprado.mcu.es/), em Madrid, por exemplo, oferece aos internautas uma fascinante visita virtual a 50 entre as principais obras de seu catálogo, em um roteiro repleto de informações complementares sobre a vida e o estilo dos mestres selecionados. Explicitamente montado com foco na Internet, a seleção de obras não obedece a um percurso linear, o que permite uma navegação entre escolas ou estilos afins, indiferente ao fato de tais obras estarem expostas em galerias distantes uma das outras. Nesta espécie de hipertexto cultural uma informação leva à outra, permitindo aos não especialistas um entendimento que dificilmente teriam "ao vivo".

Com os seus 130 anos de existência, o tradicional Metropolitan Museum (http://www.metmuseum.org/), em Nova York, oferece outro bom exemplo da facilidade propiciada pela Internet. Experimente achar ao vivo uma entre dois milhões de obras incluídas em seu acervo, sem um sistema inteligente de busca por autor ou por palavra-chave. Uma comodidade adicional: você pode fazer uma navegação rápida enquanto vai assinalando o que quer apreciar depois com mais calma. A seleção é arquivada em uma área especial do site, possibilitando a criação de "galerias particulares". Cerca de 3.500 obras estão disponíveis para consulta no Metropolitan.

O Museu do Louvre (http://www.louvre.fr/), em Paris, também oferece um confortável (e econômico) passeio virtual por diversas galerias. Basta escolher o roteiro e mergulhar em um dos acervos mais fantásticos da história da arte. Para apreciação on-line estão disponíveis 1.500 trabalhos distribuídos em 350 salas do Louvre. Uma área do site reserva um espaço especial para professores e estudantes, com centenas de biografias e farto material sobre as grandes civilizações. Diariamente, cerca de 10 mil pessoas acessam o endereço. Até agora, nenhuma delas encontrou pela frente o robozinho simpático citado lá em cima.

Até tu, Goya?

A polêmica andava adormecida, mas agora explodiu com pompa e circunstância na Internet (http://www.estrelladigital.es/). Em entrevista à revista El Periodico del Arte, a historiadora britânica Juliet Wilson-Bareau afirmou que os quadros El Coloso e La Lechera de Burdeos, atribuídos ao mestre espanhol Francisco de Goya e que fazem parte da valiosa coleção do Museu do Prado, foram pintados por outra pessoa. A direção do museu tentou desmentir, mas teve de voltar atrás e agora admite que também tem dúvidas sobre a autenticidade dos quadros.

Mas se não foi Goya, quem pintou El Colosso e La Lechera? As suspeitas recaem sobre Rosario Weiss, uma suposta filha, não citada na biografia oficial do mestre espanhol. Mas Juliet sugere uma profunda investigação sobre outros três nomes: Agustín Esteve e Asensio Juliá, que durante um bom período foram ajudantes de Goya; e Leonardo Alenza, tido como um imitador do grande mestre espanhol.

Por enquanto, o Museu do Prado mantém os dois quadros em exposição, mas anunciou que não mais irá incluí-los em seus catálogos e tampouco cedê-los para exposição em outros museus. Já o site oficial do pintor espanhol (http://goya.unizar.es/), organizado pela Universidade de Zaragoza, continua alheio à polêmica. Ali, tanto El Coloso (pintado entre 1808 e 1812) quanto La Lechera de Burdeos (1825) continuam fazendo parte da relação de 355 obras atribuídas a Goya.

Museu fantasma

Steve Baldwin é uma espécie de caçador de sites fantasmas e nos últimos meses têm tido muito trabalho. Ele passa os dias mergulhado no noticiário relacionado à chamada nova economia em busca de material para o seu site, The Museum of E-Failure, algo como o museu da falência. No endereço www.disobey.com/ghostsites, Baldwin coleciona centenas de homepages de empresas que já foram destaques na Internet, mas que desapareceram vítimas da crise que atingiu a Nasdaq. Apenas em maio, 56 novos ex-endereços foram acrescentados à longa lista do E-Failure. O “colecionador” garante que o objetivo do museu é mesmo o de homenagear as empresas que, apesar do pouco tempo de existência, contribuíram, de uma forma ou de outra, para o fortalecimento da Internet. Um detalhe: para não ser apanhado de surpresa, o caça-fantasmas costuma capturar telas de prováveis candidatos a um lugar no museu.

Coluna publicada originalmente em O Estado de S. Paulo em 07/06/2001

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